Nota pública em defesa da liberdade acadêmica e da universidade pública
O Departamento de História e o Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina vêm a público manifestar sua preocupação e repúdio diante do constante ataque que a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) vem sendo vítima por parte de agentes públicos que utilizam seus mandatos para, com cinismo e oportunismo, atacarem os princípios de liberdade de pensamento, expressão e crítica que são pilares fundamentais do ensino universitário público no Brasil. O último episódio, envolvendo um ataque direto ao Doutor Reinaldo Lindolfo Lohn, docente do Departamento de História da UDESC, nos leva à produção desta nota, não apenas como manifestação de nosso apoio a esse notável pesquisador e professor, mas como oportunidade de defender veemente os princípios universitários que a atuação do professor Reinaldo Lohn tão bem representa.
O ataque à Universidade alimenta-se da imagem de uma instituição isolada do mundo, perdida em discussões elitistas e desconectada da realidade circundante. Repudiamos veementemente essa figura distorcida da Universidade pública brasileira e catarinense, e lamentamos que seja às vezes sustentada e divulgada na mídia sem a mínima crítica. Nós denunciamos essa imagem como uma das grandes mentiras contadas e repetidas continuamente por pessoas que, travestidas de defensoras do “bem comum” e simulando ultraje moral, não buscam outra coisa senão visibilidade social e seu interesse individual. A universidade atua em vários campos, desde a tecnologia e as ciências, a educação e o debate público: a universidade está presente na indústria, na produção científica e na comunidade. Sua atuação é múltipla, plural e aberta.
O papel da universidade no Brasil – e da universidade pública em especial – sempre foi e será o de impulsionar a criatividade, a inovação, o exame e a crítica do conhecimento. O caráter inovador e criativo da universidade se expressa tanto no âmbito científico quanto na esfera dos costumes, das identidades, e da política em geral. Isso é verdade não apenas no campo das ciências humanas – alvo preferencial daqueles que atacam o ensino universitário – mas em todas as esferas de ensino e pesquisa universitária: A inovação – seja na tecnologia quanto na medicina ou na sociologia – implica o exame crítico das opiniões recebidas e das verdades estabelecidas; implica a experimentação, implica o erro, implica a autocrítica. Essas dimensões são inseparáveis: não é possível a inovação científica sem a liberdade e a pluralidade intelectual. Se essa liberdade e essa pluralidade são às vezes consideradas incômodas, podendo ser vistas mesmo como “perturbadoras da ordem”, são também necessárias para qualquer sociedade aberta, democrática e, sobretudo, inovadora. Para que a missão pública, científica e civil da universidade seja cumprida de acordo, a defesa da liberdade de pensamento, expressão e debate público, envolvendo professores, estudantes e a comunidade, deve florescer sem medo de retaliações.
O ataque à UDESC – e, por meio dela, à própria ideia de Universidade – se utiliza do pretexto da defesa da “moralidade pública” para fomentar a perseguição de professores e estudantes, exigindo a repressão e a supressão de opiniões, propondo o constrangimento e o controle externo do que pode ser expressado e discutido publicamente nas instituições de ensino. Mas é preciso que se diga que, por meio do ataque à Universidade, o que se realiza de fato é um ataque geral à liberdade de pensamento e expressão em nossa sociedade. Quem se preocupa com essa liberdade, deve entender que a Universidade é o bastião mais importante e eficaz para a sua preservação. Defender essa liberdade é não apenas proteger a dignidade da docência e da pesquisa, mas também preservar a própria democracia. O exercício crítico e argumentativo, inclusive em cerimônias solenes, não é uma concessão, mas parte integrante do compromisso da universidade com a formação cidadã, a justiça social e os direitos humanos.
Por fim, é preciso recordar que a história política de nosso país guarda episódios em que o cerceamento da liberdade de expressão e o silenciamento de vozes dissidentes contribuíram para o enfraquecimento da democracia. Hoje mesmo, em muitas partes do mundo, as universidades são alvo de ataque em nome do mesmo desejo de silenciamento, pelo mesmo autoritarismo. E é justamente para que tais práticas não voltem a ganhar um solo fértil em nosso país que se faz necessário reafirmar o valor da autonomia universitária e da liberdade crítica como pilares fundamentais da vida pública.
Rejeitamos, portanto, qualquer forma de intimidação política à Universidade pública e aos seus membros, e reafirmamos nosso compromisso com sua autonomia, com a liberdade de pensamento e com o papel essencial que ela desempenha na construção de uma sociedade plural, democrática e comprometida com o bem público.
Florianópolis, 14 de abril de 2025.
Departamento de História
Programa de Pós-Graduação em História
Universidade Federal de Santa Catarina